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Sangre de Muerdago – Jonathan Hultén

De 2007 à atualidade, os galegos Sangre de Muerdago já lançaram 7 álbuns e outra mão cheia de EPs e singles. O seu último disco, lançado em novembro de 2020, conta com 11 faixas e tem o título Xuntas. Entre o folk pagão e a música de câmara, o seu repertório conta com baladas pastorais originais, composições prog-medievais e reinterpretações de cantigas tradicionais.

Na verdade, há qualquer coisa de assombrado na génese dos Sangre de Muerdago e que os acompanha até hoje, passados 15 anos: pouco antes de gravarem o seu primeiro álbum, morreu um dos membros fundadores, o brasileiro Jorge Olsen de Abreu, e no último LP da banda, Xuntas (2020), Jorge aparece nos créditos como responsável por «Melodias do Outro Mundo». Além disso, lançaram há pouco tempo um vídeo chamado Xuntas – The Movie, onde uma mulher fantasma assiste a um concerto do grupo num teatro em Leipzig, trocando impressões com os espectadores. A certa altura, há um homem da equipa técnica que lhes pergunta «Malta, o que é que ‘Xuntas’ significa mesmo?», ao que eles respondem, em uníssono: «Juntas!».

Os elementos dos Sangre de Muerdago são: Pablo C. Ursusson, letrista e principal vocalista da banda, guitarrista, tocador de sanfona, caixa de música e sinos; Erik Heimansberg nas segundas vozes, na flauta, clarinete baixo e pandeiro de Peñaparda (uma espécie de adufe); Hanna Werth, na viola e nas segundas vozes; Georg Börner, na nyckelharpa e nas segundas vozes; Asia Kindred Moor, na harpa celta. No mundo por vezes politicamente dúbio da neofolk, a banda carrega uma sensibilidade anti-fascista latente; não só Pablo andou envolvido na cena punk espanhola, como cantam orgulhosamente em galego, língua que resistiu à censura e repressão do regime de Franco (os galegos têm língua bífida). Contudo, desengane-se quem pela descrição está a imaginar um grupo de intervenção num sentido literal e contestatário — a música dos Sangre de Muerdago não reivindica nem se interessa pelas intrigas e politiquices dos homens. No entanto, não quer dizer que o conteúdo e a forma das suas composições não sejam políticas, mas são-no num sentido muito mais espiritual e humanista (p. ex: a faixa com o título curiosamente longo «Unha das peores cousas que escoitéi no 2019 foi ‘Pedir perdón é un acto de debilidade’», é um instrumental de 6 minutos).

A voz gentil e tranquilizante de Pablo transita sem esforço entre a coloquialidade de um songwriter e a formalidade de um bardo. Por outro lado, a forma como os Sangre de Muerdago emparelham as suas vozes e instrumentos em harmonias, umas vezes abertas e planas, outras mais entrelaçadas e meticulosas, levam-nos ora por caminhos de terra batida, por entre a flora densa do bosque, ora por ruínas cobertas de musgo, até encontrarmos resguardo para uma fogueira; o «toque» da banda é suave, porém assertivo (se é que podemos usar termos tão imprecisos), e é caracterizado pela mesma reverência e dignidade com que os membros vão cedendo a sua vez, nos arranjos, para que o próximo venha ao de cima. AR

Jonathan Hultén, cantautor sueco galardoado com um Grammy, começou a lançar material em nome próprio quando ainda fazia parte da banda heavy metal Tribulation. O seu ex-bandmate Adam Zaars fala do seu processo de composição na banda: «Jonathan trabalhava sobretudo sozinho, gravava demos em casa e depois enviava-as para nós, para ter feedback». Dito isto, não é difícil imaginar que alguns dos rascunhos caseiros e solitários que não passaram o crivo dos Tribulation tenham encontrado uma segunda chance no seu projecto a solo… Afinal, segundo o próprio Jonathan em entrevista, «o cerne emocional pode ser o mesmo, tanto para uma canção acústica como para uma de metal».

Na verdade, é possível constatar uma certa continuidade estética e poética entre o Jonathan Hultén a solo e o ex-membro dos Tribulation. Correndo o risco de superficialidade nesta observação, Jonathan continua a usar pinturas faciais a preto e branco nos seus videoclipes; mas enquanto as dos seus ex-colegas constituíam um corpse painting escandinavo mais tradicional (esborratado, evocativo de cadáveres e demónios), as de Jonathan mostravam já um outro tipo de ornamentação e detalhe, evocativo de um certo misticismo, espiritualidade e exotismo (ex: Siouxsie na altura do hit «Arabian Knights»).

Primeiro, lançou um EP, em 2017, intitulado The Dark Night Of The Soul; depois, em 2020, um longa-duração que lhe valeu grande exposição mediática, Chants From Another Place, pela editora londrina Kscope. Ao longo das 12 faixas desse LP, Jonathan Hultén usa a guitarra acústica (discreta e pontualmente acompanhada por teclados e percussão) de forma elementar, porém eficaz — é precisamente essa simplicidade instrumental que baixa a guarda do ouvinte e garante o sucesso do feitiço; depois, coloca a sua voz sem nunca se vincular totalmente a este ou aquele território da folk (às vezes aproxima-se do confessionalismo de Nick Drake; outras, do triunfalismo de Leonard Cohen; outras, da solenidade dos coros de igreja). Através de interlúdios fantásticos e harmonias emocionalmente ambíguas, Jonathan Hultén leva-nos, nas suas palavras, por «uma viagem interior e só o tempo pode dizer quais os lugares que serão visitados durante a sua duração». AR

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